Célia Iarosz Frez

RESUMO DA OBRA “CONTOS DA MONTANHA”, DE MIGUEL TORGA

SOBRE O AUTOR: Escritor português natural, de São Martinho de Anta, Vila Real. Proveniente de uma família humilde teve uma infância rural dura, que lhe proporcionou conhecer a realidade do campo, feita de árduo trabalho contínuo. Após uma breve passagem pelo seminário de Lamego, emigrou com 13 anos para o Brasil, onde durante cinco anos trabalhou na fazenda de um tio, em Minas Gerais, como capinador, apanhador de café, vaqueiro e caçador de cobras. De regresso a Portugal, em 1925, concluiu o ensino liceal e frequentou em Coimbra o curso de Medicina, que terminou em 1933. Exerceu a profissão de médico em São Martinho de Anta e em outras localidades do país, fixando-se definitivamente em Coimbra, como otorrinolaringologista, em 1941. Miguel Torga era ligado inicialmente ao grupo da revista Presença.

CONTEXTO HISTÓRICO:
Miguel Torga faz parte do Presencismo, movimento literário de grande relevância. O Presencismo, também conhecido como a segunda fase do modernismo português, teve início no ano de 1927 com a publicação da Revista Presença: Folha de Arte e Crítica. Revista Presença reuniu aqueles que não participaram do Orfismo em virtude de divergências estéticas. Ao contrário do Orfismo, que tinha como objetivo apresentar uma poesia que rompesse com os padrões literários vigentes, chocando e provocando a crítica e público, sobretudo a burguesia, o Presencismo tinha como ideal interrogar o sentido da existência humana.

RESUMO DA OBRA:
Contos da Montanha remete o leitor para um espaço situado no interior, composto por 23 contos, neste livro Miguel Torga apresenta aos seus leitores textos que representam descrições do comportamento humano, das suas emoções e dos seus sentimentos. O leitor da obra deve voltar sua atenção para o que existe de comum nos 23 contos, que está altamente voltado para as ações humanas, pois, Miguel Torga traz fortes traços do humanismo em suas obras, dentro dos contos as pessoas são heróis e sobreviventes da suas vidas de miséria, de fome e de sofrimentos.

Os 23 contos são: A Maria Lionça; Um roubo; Amor; Homens de Vilarinho; O Cavaquinho; A ressurreição; Um filho; A promessa; Maio moço; O bruxedo; A paga; Inimigas; Solidão; A ladainha; O vinho; O lugar de sacristão; Justiça; A vindima; Um coração desassossegado; A revelação; O desamparo de S. Frutuoso; O castigo; O pé tolo.

Vejamos resumidamente três dos vinte e três contos:

“A Maria Lionça”
Maria Lionça é a personagem principal deste conto. Maria é uma mulher respeitada, amada, pobre, bonita, forte. Ela viveu em Galafura durante setenta anos onde encontrou o amor da sua vida, Lourenço Ruivo, com quem se casa e tem um filho, Pedro. Lourenço acaba lhe provocando um grande desgosto de amor, pois Ruivo foge para o Brasil sem dar noticias. Quinze anos depois ela acaba o perdoando quando ele volta à terra muito doente, onde morre passado pouco tempo, Maria fica de novo sozinha cuidando do filho, que também acaba adoecendo e por consequência morre nos braços da mãe e ela morre também ao final do conto, depois de uma vida dedicada a ajudar os outros.

”O cavaquinho”
É narrada a história de uma família muito pobre que vivia num casebre a “três léguas” de Vilela, onde o pai, chefe de família, promete uma prenda de Natal ao filho de 10 anos, pelo seu bom desempenho no primeiro exame da escola. A criança estava entusiasmada e bastante curiosa em saber o que iria receber, uma vez que já conhecia os fracos rendimentos dos pais e aquela situação, o fato de poder receber algo novo e “gratuito”, deixava-o fascinado. Porém, na noite em que, supostamente, iria descobrir o que seria a sua recompensa, recebe a triste noticia de que o pai falecera com uma facada, perto de um cavaquinho que lhe trazia. Um conto que começa por uma notícia boa (o exame do filho

 

e promessa da oferta de uma prenda) e termina com a morte do pai, de forma dramática.

“Homens de Vilarinho”
Neste con

 

to Torga conta a história de Firmo, personagem cuja principal marca é a infidelidade à terra natal. Nem o fato de ter mulher e filhos a zelar o prendia ao território. Aliás, as suas visitas a Vilarinho duravam pouquíssimo tempo. F

 

oram inúmeras as tentativas do padre João, pároco do povoado, para convencê-lo da necessidade de corrigir-se, mas o “desejo de mundos” que tinha Firmo, não o permitia ficar. Por possuir esse caráter, Firmo é caracterizado no conto como aquele que “desorientava Vilarinho”. Por não cultivar o sentimento de pertença à terra nem à casa, de maneira mais específica, o seu lugar na narrativa é a de um desordenado, um desertor.

REFERÊNCIAS:

TORGA, Miguel. Contos da montanha. 9. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1999. 214p. (Biblioteca de bolso)

http://virtualiaomanifesto.blogspot.com.br/…/contos-da-mont…

RESUMO DA OBRA “VIAGEM NO ESPELHO”, DE HELENA KOLODY

A poeta Helena Kolody, filha de imigrantes ucranianos, é um dos nomes mais expressivos da poesia contemporânea paranaense. Nascida no dia 12 de outubro de 1912, com apenas 16 anos seu primeiro poema fora publicado, intitulado “A Lágrima”. Com 20 anos de idade Helena iniciou a carreira de professora.

 

Seu primeiro livro publicado, “Paisagem Interior”, foi dedicado a seu pai, em sequência foram publicados: “Música Submersa”, “A Sombra do Rio”, “Vida Breve”, “Era Espacial” e “Trilha Sonora”, “Tempo”, “Correnteza”, “Infinito Presente”, “Sempre Palavra”, “Poesia Mínima”, “Viagem no Espelho”, “Ontem Agora” e “Reika”. Nas primeiras obras percebe-se que a poeta vai se encaminhando cada vez mais para a poesia íntima, confessional e auto indagadora em que predomina o subjetivismo, a introspecção e o mergulho no mundo interior.

Entretanto, em suas obras posteriores, nota-se que aos poucos seus poemas vão se tornando sintéticos, condensados. Vale destacar que já em sua primeira obra são publicados três haicais: “Prisão”, “Arco-Íris” e “Felicidade”. O haicai é uma forma de poesia japonesa, caracterizado por seus pequenos poemas de três versos, com cinco, sete, e cinco sílabas poéticas sucessivamente. Conhecida como grande poetisa, que conciliava perfeitamente a experiência da subjetividade com a objetividade, faleceu em 2004 aos 92 anos de idade.

Obra: “Viagem no Espelho” é uma antologia da poetisa Helena Kolody, reunindo livros publicados pela autora, de 1941 a 1986. Essa produção literária é considerada uma viagem ao contrário, como se fosse um espelho, pois os poemas aparecem em ordem inversa, iniciando-se pelos mais recentes até chegar aos primeiros. Justificando assim o título da obra, que representa a poesia breve, portanto, nela predominam os poemas curtos.

 

Simpatizante do haicai, Helena tem o poder de transformar sua sabedoria de vida em poemas belíssimos, ainda que seus temas possam ser densos e trágicos. O “eu lírico” em viagem no espelho vê a vida como um mistério e o simples fato de existir o fascina. A concentração verbal dos haicais kolodyanos trabalha com muito lirismo e apresenta uma sonoridade rítmica que é marcada pelo processo de elaboração criativa e lúdica. Os poemas de Reika exploram a metapoesia, ou seja, o poema diante de si mesmo. Kolody, como poetiza vigorosa, concilia perfeitamente subjetividade e objetividade, emoção e razão, com poemas densos de significado, numa atualização constante em relação à modernidade.

Nessa obra, seus poemas são sugestivos e cheios de imaginação, intelectuais e emotivos, sintetizados e modernos, marcados por uma procura semântica inventiva de múltiplos sentidos. Percebemos a presença eminente de sentimentos de fugacidade, transitoriedade, temporalidade, mutabilidade, esperança e procura. Cada livro com

características próprias, formando um todo cheio de significados. A linguagem é bastante metafórica e simbólica. Possui um transcendentalismo, um forte sentimento de humildade e reconhecimento de um atavismo ancestral.

O temperamento da autora ao escrever, oscila entre soltar-se e reprimir-se. Seus pensamentos de natureza selvagem embatem com a religião e a opressão de sua época, em um desejo constante de liberdade. Aqui ela fala de amor e paixão por meio de um “eu lírico” sentimental. Os poemas são longos e predominantes da forma clássica dos versos regulares. Há também uma forte conexão sanguínea e espiritual com sua pátria de origem (Ucrânia), ela eleva a história do seu povo e vemos o tema da migração definida pelo “eu lírico” como uma luta dolorosa. Portanto, essa obra é indicada para aqueles que queiram obter a coletânea em apenas um volume, e explorar o mundo da poetisa paranaense de uma forma única.

 

RESUMO DA OBRA “LAÇOS DE FAMÍLIA”, DE CLARICE LISPECTOR

Contexto social e histórico: O ano de 1945 marca o fim da Segunda Guerra Mundial e mostra o mundo que sobreviveu a Hitler e aos campos de concentração, à bomba atômica de Hiroshima e a todos os horrores da guerra. No Brasil, o ano de 1945 marca o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas e o início de certa experiência democrática que terminaria bruscamente em 1º de abril de 1964.
Estilo literário da época: Modernismo. A prosa de ficção da terceira fase do Modernismo brasileiro, sobretudo a de Guimarães Rosa e a de Clarice Lispector, é o exemplo melhor do uso da linguagem como instrumento para captar o universo humano e sugerir a amplitude de sua dimensão, apresentando o corpo humano e a natureza.
Sobre a obra: Laços de família é uma coletânea, publicada em 1960 que traz histórias da classe média carioca, mais ou menos na década de 50. É um livro constituído de 13 contos, e eles se interligam através de uma temática comum a quase todos: o desentendimento familiar.
Os contos que compõe a obra são:
· Devaneio e Embriaguez duma Rapariga;
· Amor;
· Uma Galinha;
· A Imitação da Rosa;
· Feliz Aniversário;
· A Menor Mulher do Mundo;
· O Jantar;
· Preciosidade;
· Os Laços de Família;

 

· Começos de uma Fortuna;
· Mistérios em São Cristóvão;
· O Crime do Professor de Matemática;
· O Búfalo.
Sobre a autora: Clarice Lispector, nasceu na Ucrânia em 1920, mas veio para o Brasil quando ainda era criança, a família, que era judia, estava fugindo da perseguição religiosa. Em 1925 muda-se com a família para a cidade do Recife onde Clarice passa sua infância no Bairro da Boa Vista. Aprendeu a ler e escrever muito nova. Com 19 anos publica seu primeiro conto “Triunfo” no semanário Pan. Em 1943 forma-se em Direito e casa-se com o amigo de turma Maury Gurgel Valente. Em novembro de 1977 soube que sofria de câncer generalizado. Clarice Lispector morreu no Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro de 1977.

 

RESUMO DA OBRA “PONCIÁ VICÊNCIO”, DE CONCEIÇÃO EVARISTO.

A escritora Conceição Evaristo nasceu em Belo Horizonte, em 1946, numa favela no alto da Avenida Afonso Pena, como era uma área valorizada da capital, a população que lá vivia foi removida para outros bairros da cidade e da área metropolitana, para que novos prédios e ruas fossem construídos na região. Conceição carrega nas memórias acontecimentos e pessoas do seu tempo de infância, algumas vezes, participam de suas narrativas. Dona Joana, sua mãe, teve nove filhos, era doméstica e lavava roupas para fora, mesmo assim, encontrava tempo para lhes contar histórias que também fazem parte do acervo de Conceição Evaristo, que se diz nascida cercada delas. Enquanto estudava, a autora trabalhou de doméstica na capital mineira. Em 1971, formou-se professora no antigo curso Normal e depois se mudou para o Rio de Janeiro, onde foi aprovada em um concurso municipal para magistério e, posteriormente, no curso de Letras na Universidade Federal daquele Estado. Conceição Evaristo é uma das principais escritoras da literatura Brasileira e Afro-brasileira atualmente, em sua literatura traz importantes reflexões sobre as questões de raça e de gênero, com o propósito de revelar a desigualdade e de recuperar uma memória sofrida da população afro-brasileira em toda sua riqueza e potencialidade. A obra Ponciá Vicêncio é o primeiro romance de Conceição Evaristo. Nela são narrados problemas do cotidiano das mulheres afrodescendentes sob um ponto de vista claramente feminino e negro.

RESUMO: A obra narra a trajetória de Ponciá Vicêncio, uma mulher negra, desde sua infância até a idade adulta. Ponciá mora com a mãe, Maria Vicêncio, na Vila Vicêncio, no interior do Brasil, onde vive numa população de descendentes de escravos. Seu pai e seu irmão trabalham no cultivo da lavoura da família Vicêncio, que é proprietária das terras onde todos moram e trabalham, ademais são donos do sobrenome dos habitantes da vila, como a família de Ponciá. A narrativa feita em flashbacks, descreve a infância da menina na vila junto da mãe e do artesanato com o barro que elas fazem. Narrado em terceira pessoa, somos levados ao íntimo dos personagens, assim, conhecemos a felicidade da menina Ponciá, que brincava de passar por debaixo do arco-íris com medo de mudar de sexo, segundo uma crendice popular, era diferente desde a infância, principalmente pela semelhança física com o avô Vicêncio. Este, quando escravo, teve um momento de loucura e grande indignação com a escravidão, mata a esposa e tenta o suicídio se mutilando, corta o próprio braço, esse braço cotó que desde pequena Ponciá imita, apesar de quando o avô faleceu, apenas era uma criança de colo, ela modela um boneco de barro idêntico a ele, que deixa mãe espantada e por esse motivo todos dizem que ela carrega a herança do avô. Depois de perder o pai, Ponciá parte para a cidade grande em busca de uma vida melhor, viaja de trem e ao chegar à cidade sem ter para onde ir, passa uma noite na porta da Igreja e consegue um emprego de doméstica. Durante o tempo que junta dinheiro para compra um barraco e trazer a mãe e o irmão para morar com ela na cidade, seu irmão Luandi decide migrar para a cidade grande, deixando sua mãe triste. Ao chegar na cidade, o rapaz arruma emprego de faxineiro na delegacia, com a ajuda do soldado Nestor, negro que conheceu ao chegar na estação de trem e serve de inspiração para Luandi, que sonha em ser soldado. A mãe, Maria Vicêncio, sozinha na casa, decide viajar pelas vilas sem rumo até que chegue a hora de encontrar os filhos. Nisso, Ponciá volta à vila buscar sua mãe e o seu irmão, mas não entra ninguém, apenas o boneco de barro do avô guardado no fundo de um baú, ao visitar Nêngua Kainda, descobre que encontrará a mãe e o irmão e cumprirá a herança. Ao retornar à cidade, ela se junta a um homem que conhece na favela, no início apaixonada, mas depois sofre agressões físicas, causadas pelo seu estado de apatia, que deu pelas perdas sofridas: a ausência dos familiares e os sete abortos. Enquanto isso, Luandi aprende a ler e escrever, ficando cada vez mais próximo de realizar o sonho de ser soldado. Conhece Bilisa, uma mulher negra, que veio para a cidade em busca de uma vida melhor, mas ao ser roubada na casa onde trabalhava, torna-se prostituta, os dois se apaixonam e fazem planos. No entanto, ela é assassinada brutalmente por Negro Climério, fato que interrompe os planos do casal. Anteriormente, Luandi empresta uma farda do soldado Nestor e retorna à vila para encontrar a mãe, mas não encontra ninguém, apenas uma pista: o sumiço do boneco do avô. Ele deixa seu endereço com Nêngua Kainda para que esta o entregue à mãe e retorna à cidade. Sua mãe, vai ao encontro dele na cidade grande, ao chegar na estação de trem, encontra um soldado e entrega o bilhete com o endereço do filho, o soldado era Nestor, que leva ela até a delegacia onde está Luandi. Na favela, Ponciá, delira com saudades do barro, decide retornar à cidade natal, e na estação de trem reencontra a família e retornam juntos para a Vila Vicêncio, onde Ponciá faz o cumprimento de sua herança ancestral, junto do rio, do arco-íris e do barro.

Referências
ARRUDA, Aline Alves. Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo: um Bildungsroman feminino e negro. 2007. 106f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

RESUMO DA OBRA “RELATO DE UM CERTO ORIENTE”, DE MILTON HATOUM

Relato de um certo Oriente, de 1989, é um relato composto de outros relatos distribuídos em oito capítulos, os quais se assemelham ou resgatam a forma oral do narrar, em que uma história é evocada para completar outras à medida que é um ou outro narrador quem detém a posse de certa informação que vai esclarecer uma outra apontada anteriormente ou outra que ainda virá.
A trama se passa numa cidade marcada pelo hibridismo cultural e atravessada pelas idéias de fronteira e trânsito: Manaus, uma capital que se separa da floresta pelas águas fluviais e se situa num estado que faz divisa com três outros países. No livro também estão presentes a diversidade de costumes, línguas, e a convivência entre indivíduos de diferentes nacionalidades.
Uma mulher visita a cidade de sua infância depois de ter passado quase 20 anos fora, e a partir dos acontecimentos que se desenrolam após sua chegada, ela vai relembrando e descobrindo histórias do seu passado e da família que a criou. Ao retornar a Manaus, após ter permanecido internada em uma clínica de repouso em São Paulo, a narradora chega justamente na noite que precede o dia da morte de Emilie, sua mãe adotiva.
Inicia-se, então, um outro trabalho, o de recuperar Emelie através da memória, não apenas a sua, mas também a de outros personagens que entrelaçaram seu percurso de forma significativa ao daquela família: o filho mais velho, o único a aprender o árabe e que também irá se distanciar de todos, ao mudar-se para o sul; o alemão Dorner, amigo da família e fotógrafo; o marido de Emelie, recuperado, mesmo depois de morto, através da memória de Dorner, e Hindié Conceição, amiga sempre presente, a partilhar com a conterrânea a solidão da velhice. Muitas vozes a compor um mosaico, nem sempre ordenado, nem sempre claro naquilo que revela, mas sobretudo rico em pequenos detalhes de extrema significação.
No intuito de enviar uma carta ao irmão, que se encontra em Barcelona, a fim de lhe revelar a morte de Emilie, acaba escrevendo um relato com depoimento de membros da família e de amigos, conforme o irmão lhe pedira na última correspondência que lhe enviara. Esses testemunhos proporcionam uma verdadeira viagem à memória, com regresso à infância e aos fatos marcantes da vida familiar.
Logo no primeiro capítulo, a narradora nos descreve uma parte da casa na qual acabara de acordar, em Manaus. A descrição das duas salas contíguas é repleta de marcas identificatórias do Oriente, indicando uma representação estilizada desse território: tapete de Isfahan, elefante indiano e reproduções de ideogramas chineses são alguns dos objetos de consumo dos ocidentais, tomados como símbolos, que estão presentes nos cômodos.
As histórias falam das possibilidades e das dificuldades do trabalho com a memória, das tensões e da convivência de culturas, religiões, línguas, lugares, sentimentos e sentidos diferentes das personagens em relação ao mundo. A casa de Emilie, matriarca da família na narrativa do Relato, é um microcosmo onde estas tensões aparecem e são vividas cotidianamente.O que mantêm a tensão no romance é a narrativa centrada em incidentes – o atropelamento de Soraya Ângela, o afogamento de Emir.
A obra, em sua estrutura e estratégia de composição, parece transitar e oscilar entre a narração, em que a figura do narrador é extremamente importante e o relato é feito principalmente com base nas tradições orais, como uma tentativa de rememoração das experiências coletivas do passado, e o romance, que apareceria como um gênero literário decorrente das transformações da sociedade capitalista, que destrói cada vez mais a possibilidade que a experiência comum viva e se revele no relato dos narradores.

RESUMO DA OBRA “O PAGADOR DE PROMESSAS”, DE DIAS GOMES

AUTOR: Alfredo de Freitas Dias Gomes estrutura sua carreira no teatro e na teledramaturgia brasileira, suas histórias ficaram populares também no rádio, no cinema e na televisão. Classificado como um escritor da literatura contemporânea, suas obras costumam apresentar protagonistas fortes e complexos, com problemas sociais que mostram não só uma questão individual, mas uma dificuldade vivida por muitos. Mescla suas narrativas com tradições populares, elementos de humor e devoção. A linguagem utilizada era cheia de regionalismo, e é possível ainda perceber um retrato da realidade brasileira nas obras de Gomes. Durante o regime militar, Dias Gomes teve sua novela mais conhecida censurada, “Roque Santeiro” que só pôde ser exibida em 1985 com o fim da ditadura.

CONTEXTO HISTÓRICO: Livro ganhador de sete importantes prêmios de dramaturgia, O Pagador de Promessas é encenada no ano de 1960 e adaptada ao cinema em 1962, conquistando a primeira indicação ao Oscar de um filme brasileiro. Apresentada ao público em um período de turbulência política, poucos anos antes do início da ditadura militar, traz à tona uma série de conflitos entre o Brasil rural e o urbano, são sintetizados pelo embate entre a crença popular, o sincretismo religioso, a misturadas religiões muito característica da Bahia, o dogmatismo, o ritualismo rigoroso e a burocratização da igreja. O sensacionalismo na imprensa, o repórter que distorce os fatos, e vende uma notícia falsa à respeito do Zé-do-Burro, a incomunicabilidade, a incapacidade que Zé tem de se comunicar e fazer entender sua intenção, e enfim a intolerância religiosa, Dias Gomes retrata muito bem a religião quando não se faz solidária com o povo, mas opressora, o que leva ao tumulto da história.

RESUMO: O pagador de promessas é uma peça teatral, portanto pertence ao gênero dramático. Zé do Burro, um homem muito simples, vivia na companhia da sua mulher Rosa e de seu burro por quem tinha muito apego. Certa vez o animal fora ferido na cabeça por um galho de árvore e Zé, ao ver a situação do animal, faz uma promessa à Santa Barbara, dividiria suas terras entre os necessitados e carregaria uma cruz tão pesada como a de Jesus até à igreja da Santa. Como em sua cidade não havia a tal igreja, fez a promessa em um terreiro de candomblé, onde a santa é conhecida pelo nome de Iansã. Saiu da Bahia, junto com a esposa, e caminham sete léguas até que chegaram à igreja de Santa Bárbara em Salvador. Mantendo-se firme na ideia de que a promessa só seria cumprida se ele deixasse a cruz na frente do altar, alojaram-se na escadaria da igreja, enquanto a cidade ainda dormia. Enquanto isso chega à praça o cafetão Bonitão que se aproveita e seduz Rosa, levando-a a passar a noite com ele em um hotel. Com o passar das horas, a agitação na rua começa e a igreja é aberta. Zé, dirigindo-se ao padre, explicou sua promessa. O padre ouvindo citações do candomblé se recusa a permitir a entrada de Zé na igreja. Ele, frente a isso e muito responsável em relação à promessa, afirma que só sairia dali quando a cumprisse. Uma multidão se aproxima e o homem torna-se assunto na cidade, sendo alvo de um repórter sensacionalista, que distorce os fatos e o retrata como um messias que apoia a reforma agrária. Chega ao local o delegado com alguns policiais, querendo levar Zé do burro preso, mas ele se declarando inocente e sem nada a temer afirmou que dali só sairia morto. Logo uma confusão acontece e um tiro fere Zé mortalmente. A multidão se dispersa, o padre se sentindo culpado libera as portas da igreja, algumas pessoas que estavam na praça pegam o corpo dele, colocam no sobre a cruz e o levam para dentro.

Não discuto – Paulo Leminski

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino.

-Paulo Leminski.

Retrato do poeta quando jovem – José Saramago

 Retrato do poeta quando jovem

José Saramago

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.

(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

SOZINHOS – Luís Fernando Veríssimo

Sozinhos

Esta ideia para um conto de terror é tão terrível que, logo depois de tê-la, me arrependi. Mas já estava tida, não adiantava mais. Você, leitor, no entanto, tem uma escolha. Pode parar aqui, e se poupar, ou ler até o fim e provavelmente nunca mais dormir. Vejo que decidiu continuar. Muito bem, vamos em frente. Talvez, posta no papel, a ideia perca um pouco do seu poder de susto. Mas não posso garantir nada. É assim:

Um casal de velhos mora sozinho numa casa. Já criaram os filhos, os netos já estão grandes, só lhes resta implicar um com o outro. Retomam com novo fervor uma discussão antiga. Ela diz que ele ronca quando dorme, ele diz que é mentira.

– Ronca.

– Não ronco.

– Ele diz que não ronca – comenta ela, impaciente, como se falasse com uma terceira pessoa.

Mas não existe outra pessoa na casa. Os filhos raramente visitam. Os netos, nunca. A empregada vem de manhã, faz o almoço, deixa o jantar e sai cedo.

Ficam os dois sozinhos.

– Eu devia gravar os seus roncos, pra você se convencer – diz ela. E em seguida tem a ideia infeliz. – É o que eu vou fazer! Esta noite, quando você dormir, vou ligar o gravador e gravar os seus roncos.

– Humrfm – diz o velho.

Você, leitor, já deve estar sentindo o que vai acontecer. Pare de ler, leitor. Eu não posso parar de escrever. Às idéias não podem ser desperdiçadas, mesmo que nos custem amigos, a vida ou o sono. Imagine se Shakespeare tivesse se horrorizado com suas próprias idéias e deixado de escrevê-las, por puro comedimento. Não que eu queira me comparar a Shakespeare. Shakespeare era bem mais magro. Tenho que exercer este ofício, esta danação. Você, no entanto, não é obrigado a me acompanhar, leitor. Vá passear, vá tomar um sol. Uma das maneiras de controlar a demência solta no mundo e deixar os escritores falando sozinhos, exercendo sozinhos a sua profissão malsã, o seu vício solitário. Você ainda está lendo. Você é pior do que eu, leitor. Você tinha escolha.

Sozinhos. Os velhos sozinhos na casa. Os dois vão para a cama. Quando o velho dorme, a velha liga o gravador. Mas em poucos minutos a velha também dorme. O gravador fica ligado, gravando. Pouco depois a fita acaba.

Na manhã seguinte, certa do seu triunfo, a velha roda a fita. Ouvem-se alguns minutos de silêncio. Depois, alguém roncando.

– Rarrá! – diz a velha, feliz.

Pouco depois ouve-se o ronco de outra pessoa, a velha também ronca!

– Rarrá! – diz o velho, vingativo.

E em seguida, por cima do contraponto de roncos, ouve-se um sussurro. Uma voz sussurrando, leitor. Uma voz indefinida. Pode ser de homem, de mulher ou de criança. A princípio – por causa dos roncos – não se distingue o que ela diz. Mas aos poucos as palavras vão ficando claras. São duas vozes.

É um diálogo sussurrado.

“Estão prontos?”

“Não, acho que ainda não…”

“Então vamos voltar amanhã…”

EU – Florbela Espanca

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

 

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

 

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

 

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Florbela Espanca, in “Livro de Mágoas”